CLASSE HOSPITALAR: UM DIREITO PARA TODAS AS CRIANÇAS HOSPITALIZADAS?
Autores: Tyara Carvalho de Oliveira (Pedagoga (UERJ), especialista em Educação Especial UCAM/RJ e em Pedagogia Hospitalar UGF/RJ E-mail: tyara.oliveira@gmail.com)
Prof. Robson Cavalcante (mestre em Educação FEBF/UERJ)
Um grande avanço tem sido observado na legislação brasileira em termos de preocupação com a garantia dos direitos de cidadania. A repercussão desse avanço se faz notar em múltiplos segmentos e setores da sociedade, através de mídias diversas as quais alcançam desde as classes mais economicamente desfavorecidas às mais abastadas.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN –, destinados aos anos iniciais de escolarização, no seu volume introdutório, alertam para a relação entre a prática escolar e a constituição da cidadania, fomentada, entre outros fatores, pela garantia ao acesso de todos aos saberes elaborados socialmente. Em termos de acesso à educação escolar, o debate acerca do direito acerca da aquisição e continuidade das aprendizagens consideradas como típicas do processo de escolarização está inserida também na reflexão acerca de propostas de um trabalho pedagógico que contemple os conhecimentos, saberes, fazeres e conteúdos escolares no ambiente hospitalar.
O entendimento que considera ser a internação hospitalar um processo que não impede a inserção do sujeito – crianças e adolescentes – num “mundo novo de novos conhecimentos” que podem ir, por exemplo, da alfabetização a conceitos matemáticos, históricos e geográficos, está na pauta dos assuntos educacionais há décadas.
A implantação de um projeto pedagógico, com todas as suas peculiaridades, desde o planejamento dos conteúdos a serem desenvolvidos, levando em consideração aspectos como o tempo – do aprendiz e das atividades em si – e o espaço, que pode ser mais profícuo a partir das interferências do profissional da área educacional, além do caráter intencional das inserções pedagógicas, o fato a considerar é que o ambiente hospitalar é um dos cenários não-escolares onde pode ocorrer um processo explicitamente educacional.
A existência de um atendimento pedagógico hospitalar existe há algum tempo no Brasil. Segundo se sabe, data de agosto de 1950, e foi desenvolvido no Hospital Municipal Jesus, localizado no Rio de Janeiro. Porém segundo Caiado (2003) ainda no Brasil Colônia, em 1600, foi criado o primeiro atendimento escolar à pessoa deficiente, na Santa Casa de Misericórdia na cidade de São Paulo. Esse atendimento era oferecido somente aos deficientes físicos. A normalização desse atendimento ocorreu entre os anos de 2001 e 2002 com os documentos do MEC intitulados de: Diretrizes Especiais para Educação Especial na Educação Básica (Resolução CNE/CEB n° 2 de 11/09/2001) e Classe Hospitalar e Atendimento pedagógico domiciliar: orientações e estratégias (MEC, 2002). Embora a Política Nacional de Educação Especial – Um Direito assegurado, também um documento do MEC, tenha feito alusão a classe hospitalar em 1994. Hodiernamente, tem-se a informação, através de um mapeamento nacional feito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro/UERJ, sob a coordenação da professora Eneida Fonseca, que o Brasil possui classes hospitalares em 101 hospitais, sendo 16 infantis, localizados em 17 Estados e no Distrito Federal. Desse total, 45% dos alunos freqüentam a Educação Infantil, e 51%, o Ensino Fundamental. Os estados de São Paulo e Rio de Janeiro são os que têm maior concentração de classes hospitalares, sendo seguidos pelos estados da Bahia, Distrito Federal e Santa Catarina. No entanto, através de investigações constantes realizadas em pesquisas anteriores a esta, foram percebidas possíveis situações nas quais, apesar dos documentos de normatização já citados e de uma implementação oficial de classes hospitalares em determinadas instituições de natureza hospitalar, parece que há a existência, de natureza até o momento desconhecida, de uma possível seleção dentro das Unidades Hospitalares dos pacientes/alunos que irão ser atendidos por essa modalidade de educação, o que desde um primeiro momento contraria o ideário tanto de especialistas na área educacional quanto de leigos, de que a educação é para todos.
Tem-se observado a diferenciação de critérios de seleção de crianças que possuem doenças consideradas mais graves, crônicas ou congênitas, como, por exemplo, o câncer, a AIDS, o diabetes e a febre reumática. Às crianças portadoras de doenças consideradas “menos graves”, verifica-se que são propostas atividades de contexto pedagógico vazio, atividades supostamente “recreativas”, sem qualquer preocupação com alguma intenção de aprendizagem. As crianças consideradas “menos graves” são atendidas através de recursos como brinquedotecas e contadores de histórias, e projetos como “Doutores da Alegria”. Deve-se chamar a atenção para a hipótese de que essa diferenciação entre “mais graves” e “menos graves” pode ocorrer por falta de conhecimento ou má interpretação das leis que normatizam a classe hospitalar ou por um “excesso de zelo” que consiste na idéia de não expor as crianças menos graves observando critérios éticos possivelmente decorrentes do artigo 18 do Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual preconiza ser “dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”. Vale destacar que, no que diz respeito à relevância deste estudo, busca-se aprofundar a reflexão acerca do direito à educação, promovendo possíveis interfaces entre ações pedagógicas de caráter escolarizador procedidas no espaço tipicamente escolar e essas mesmas ações promovidas no âmbito hospitalar, a partir do que os PCN preconizam: “A escola, ao tomar para si o objetivo de formar cidadãos capazes de atuar com competência e dignidade na sociedade, buscará eleger, como objeto de ensino, conteúdos que estejam em consonância com as questões sociais que marcam cada momento histórico, cuja aprendizagem e assimilação são as consideradas essenciais para os alunos possam exercer seus direitos e deveres”.
Não obstante, de acordo com a Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira de 1996, a educação é um direito de todos, conforme já foi apontado. O objetivo deste trabalho é analisar criticamente os critérios de encaminhamento das crianças e adolescentes hospitalizadas para o atendimento pedagógico hospitalar, denominado de classe hospitalar; busca-se, concomitantemente, investigar se há uma possível categorização quando do encaminhamento das crianças e adolescentes para o atendimento pedagógico hospitalar; e mais, procurar-se-á investigar se existe um critério paralelo de encaminhamento das crianças hospitalizadas, e ainda, caso positivo, descrever e caracterizar esses critérios de diferenciação no encaminhamento das crianças e adolescentes hospitalizados a este atendimento pedagógico, conhecido como classe hospitalar.
Uma pedagogia da exclusão: Desde dos tempos mais remotos se observa na historia universal teorias e praticas sociais excludentes, principalmente, no que diz respeito à aquisição do conhecimento. Os indivíduos com deficiências eram vistos como “doentes” e incapazes, ocupando no imaginário das pessoas, o lugar daquele que precisa da caridade popular e da atenção especial da assistência social. Não eram vistos como pessoas com direitos sociais entre os quais se incluiu a educação.
Nos dias de hoje, ainda se constata a dificuldade de aceitação do diferente no ambiente familiar e social, principalmente, do portador de deficiências múltiplas e graves, que na escola pode apresentar dificuldades mais acentuadas de aprendizagem. Cada individuo com necessidades especiais vai requerer diferentes estratégias pedagógicas, que lhes possibilitem o acesso à herança cultural, ao conhecimento que foi construído pela sociedade e a vida produtiva: parte das condições para a inclusão e para o pleno exercício da cidadania.
Entende-se, em geral, por inclusão, a garantia a todos de acesso ao espaço comum da vida em sociedade. Sociedade essa que precisa ser orientada por relações de acolhimento a diversidade humana, de aceitação das diferenças e da igualdade de oportunidades. Até bem pouco tempo a teoria e a prática dominantes eram as de separar as pessoas com necessidades especiais em escolas ou classes especiais.
Para tentar eliminar os preconceitos e integrar os alunos portadores de deficiências nas escolas comuns do ensino regular, é que surgiu o movimento de integração escolar. Esse movimento se caracterizou de inicio, pela utilização das classes especiais (integração parcial) na preparação do aluno para a integração total na classe comum. Atualmente, com o movimento pela superação da ideologia de exclusão, favoreceu - se a implantação da política de inclusão. A legislação brasileira se caracteriza pelo atendimento dos alunos com necessidades especiais preferencialmente em classes regulares das escolas, em todos os níveis, etapas e modalidades de educação e ensino.
O grande desafio da Educação atualmente é: garantir o acesso aos conteúdos básicos que a escolarização deve proporcionar a todos os indivíduos, inclusive aqueles com necessidades educacionais especiais.
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